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20 de mar. de 2011

"Eu não existo"

-Eu não existo.
-Por que diz isso menino?
-Porque eu sei o que estou dizendo.
-Como assim?
-Sabe quando você nunca teve tanta certeza na sua vida? Pois então. É isso o que eu quero dizer.
-Mas como você não existe se o seu coração está batendo?
-Coração batendo? É esse o conceito de vida pra você?
-Não. Vida é algo muito maior. Mas todos nós existimos.
-Ninguém existe se sua existência se deposita no lugar onde você não quer estar. É como uma flor que está no concreto. Você acha que ela realmente é capaz de existir?
-Claro que sim, ela está ali!
-Se livre da física fofo, ela só te dá conceitos científicos e superficiais. Eu estou falando de sentir que você existe.
-Como se isso importasse realmente. Eu nunca senti que existo mas tenho certeza que existo!
-Claro que sim, você é superficial ao ponto de basear suas certezas em nada. Existe porque todo mundo sabe que existe. Isso é patético, sabia?
-Acho ainda mais patético alguém ficar procurando ovo no cu de vaca.
-Tão científico, mas tão burro! Será que sua praticidade é tão maior assim que seu cérebro? Galinhas não tem cu. Galinhas tem cloaca. Portanto sua comparação não tem o mínimo sentido. Se você dissesse vagina de vaca eu ainda seria capaz de te respeitar. A vagina é muito mais fecunda e molhada do que qualquer anus, bobinho.

E depois de uma bufada de impaciência do menino questionador eles emudeceram-se como se a discussão fosse acabar por ali, mas um dos dois continuava intrigado. A existência nessa discussão era uma coisa muito maior do que foi dito no diálogo acima. A existência, para quem havia levantado o tópico, é algo que depende de um universo interno que faça sentido; de sentimentos que se completem em um espaço indeterminado, chamado habitualmente de coração. E naquele momento, as coisas de dentro do coração do pensante não faziam muito sentido se colocadas frente a frente. Todas estavam desencontradas, inseguras e incomuns.

-Nada faz muito sentido, sabe? Eu quero sair daqui. Quero construir meu mundo.
-Saia então. Você pode ir pra sala, pro outro quarto, pra cozinha.
-Você me irrita, sabia? Será que não dá pra falar sério?
-Claro que dá: sério... OK, OK, já parei, vamos falar sério então. Como assim não faz sentido?
-É como se aquela lâmpada ali em cima estivesse acesa, mas imagine ela sem base para fazer contato com a rede elétrica. É assim que eu me sinto. Eu estou aceso, mas minha base não existe mais. E o pior, sinto que ela está desorganizada em um lugar que não consigo controlar muito bem.
-Você e as suas metáforas. Sabe que eu prefiria quando eu tinha o controle de nós? Você até lançava esses sentimentos por aí, mas a nossa base era eu. Agora que você está se vendo quase sozinho tendo que nos governar fica aí pirando o cabeção sentimental que você tem.
-Sabe que eu nunca gostei de você no comando? Tudo o que você fazia eu achava pouco demais. Era rude, limitado, exato, preso. Você manteve uma estabilidade, mas eu não senti como se eu vivesse de verdade.
-Ah, bom... Agora você vive de verdade mas não existe. Muito bem, bom governante.
-Quer saber? Discutir com você é um erro. Eu vou seguir meu coração e deixar você falando das suas habilidades sozinho.
-Pois bem, faça isso. Seria perfeito não ter que ouvir você reclamando de novo.

E ali sim a discussão dos dois havia acabado. Não porque eles chegaram a alguma conclusão, mas porque os seres dentro de Jack nunca levarão uma discussão até o fim. Ele carrega em si duas linhas de personalidade, assim como qualquer um, e essas personalidades nunca chegarão a um consenso enquanto elas tiverem que discutir. Jack agora conseguiu perceber isso. Mas eu devo aqui contar algumas coisas do passado até o presente de Jack para que vocês entendam do que eu estou falando.

Era uma vez um menino chamado Jack, que durante muito tempo foi considerado um menino totalmente correto, inteligente e obediente pelas pessoas que o cercavam, que eram basicamente da sua família. Porém, nessa época, Jack era muito diferente do que ele é agora, pois era dominado, sem saber, por uma parte de si que era mais fraca do que o ele pode ser de verdade. Esse Jack era um garoto prático e racional, procurava fazer as coisas para agradar as pessoas, nunca buscou sua própria felicidade, e nunca se vasculhou pra ter certeza de quem ela era. Jack era só uma criança feliz simplesmente por ser, sem pensar no verdadeiro conceito de felicidade. Ele não tinha amigos de verdade, não tinha a mínima percepção emocional e só vivia por viver.

Depois de um tempo esse Jack mudou um pouco. Ele começou a perceber o outro Jack dentro de si, que era extremamente mais forte e complexo do que o último, e assim ele começou a se buscar de alguma forma. Jack tinha 14 anos quando conheceu seus primeiros amigos de verdade, e viu que ele não era tão convencional quanto as pessoas que antes ele brincava de ser amigo. Jack começou a assumir a si mesmo, e a experimentar novas coisas. Era fantástico ser um pouco do Jack que deveria assumir a si mesmo. O Jack que surgia era muito mais sentimental e questionador. Era muito mais Jack do que qualquer outro que ele já tinha sido, mas ainda assim, o antigo Jack ainda existia naquele menino, e assim Jack foi por mais 2 anos e mais um pouco.


Só agora, aos 17, quase 18, Jack se sente como ele deveria ser desde seus primeiros dias. Ele antes era uma mistura do outro Jack racional com o Jack sentimental, porém, só parte dos dois. Agora Jack está pleno de si. O Jack de hoje são os dois Jacks que sou eu que vos conto essa pequena crônica. O primeiro Jack, frio e calculista, morreu, o segundo Jack também, sentimentos em equilíbrio com sua parte fria e calculista também não existem mais. Jack agora é um misto de tudo o que ela pode ser. Jack já passou por situações horríveis e maravilhosas, mas Jack, acima de tudo agora é Jack, com tudo de todos os seres que compõem Jack. Jack agora não é o melhor dos Jacks, mas tenham certeza que o mais verdadeiro.


Entenderam a história dos Jacks que discutiam? Entenderam a história do ser que era dominado por tal parte ou outra? Se sim, agora só falta a vocês entenderem o porquê de Jack achar que não existe, e quem é, nesse texto, o Jack que foi exposto na narrativa.

Primeiro, Jack não existe não porque ele não tem uma base, mas porque ele se fez precisar de uma base. Jack sempre precisou de um passado para existir, e o passado de Jack está cheio de erros, que não o sustentam. Jack está no chão e precisa erguer um lugar bom para ele crescer em si mesmo. Jack nunca se conheceu nos dois anos que achava que se conhecia. Jack nunca se conheceu como alguns presumiam. Jack continuava sendo o Jack que existia não por existir, mas vivia por coisas pequenas, quase que por viver. Hoje Jack percebe que ele não existe por ser muito maior do que ele pensava. Não por precisar de outras coisas. Jack precisa das mesmas coisas, só que em grande escala. Jack hoje está começando a ser Jack de verdade.

Agora vos revelo o último segredo de Jack, o que ele guardou durante esse texto todo, e durante sua vida toda: existem 4 Jacks nesse texto. O Jack questionador, O jack calculista, O Jack que representa o Jack de verdade, e algum outro Jack que se fez omisso durante esse texto inteiro. Conseguem perceber quem é esse Jack? Se sim, parabéns. Esse Jack sou eu, o Jack narrador, o Jack muito mais Jack que todos os outros, o Jack que agora será Jack, verdadeiramente, até o final dos seus dias.


Um comentário:

  1. 'não é conviver. é coexistir.'

    muito prazer Jack 1, você é muito doce. Prazer Jack 2, você é tao complexo quanto eu, tem que ver isso aê. Prazer Jack 3, eu amo você. Prazer Jack 4, eu realmente não gosto de fingir que você não existe.

    Isso me lembra o musical Hair. Cada um dos hippies, malvestidos, estranhos, abandonados, cada um se intitulou com algo que os orgulhasse. E Claude, que estava em Nova York de férias, muito bem penteado por sinal, parou, olhou pra nós, a platéia, e cantou: 'eu sou invisível...'


    Enfim, ignore. Muito bom ;*

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