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2 de jun. de 2011

"Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante[...]"

Coletei os dados de uma sociedade totalmente enterrada nas crostas arquitetadas por uma instituição. Como uma instituição teve tamanho poder sobre seres que são capazes de pensar? Isso eu não consegui coletar. Eu era um mero objeto da situação geral em que a história será narrada, mas tenham certeza que dentro de meu coração e mente, apesar de todos os medos e dificuldades, eu conseguia ser o sujeito composto mais belo e rico já existente; apesar da contradição.


Eu sou o Michael, mas podem me chamar de Frank. Em que aspecto Frank se parece com Michael? Também não sei dizer. Escolhi Frank aleatoriamente porque Michael é um nome muito comum, eu conheço vários no meu próprio reino com esse nome, mas nele não existe nenhum Frank. Frank é um nome que me faz sentir único, e em meio a confusão que acontece na minha vida eu preciso muito ser único.

A história começa nas terras do Rei da Inglaterra. Um feudo magnífico, impressionantemente belo. O Rei Henrique XXIV governava todos os seus campos, florestas, servos, e castelo com o suporte de muitos nobres, provenientes de seus vários acordos de suserania e vassalagem. Seu poder dentro de suas terras era indiscutível e indissolúvel, e, por isso, todos tinham muito apreço por Henrique; mas também um grande temor. Henrique era um homem de opinião, mas totalmente fútil e vazio. Se encantava com festas e especiarias caríssimas, que esgotavam cada vez mais a grande fortuna que cabia a família real, e, consequentemente, a todos os nobres abrigados no castelo do rei. O povo que vivia naquele reino, inclusive eu, que era um nobre devedor de favores ao meu rei suserano, usufruíamos de toda aquela fartura. Porém, todo o luxo proporcionado pela ostentação de Henrique se fazia desnecessário para todos nós que vivíamos dentro de um feudo que passava por uma falência gradual, e entrávamos em uma crise que afligia toda a Europa. O brilho que Henrique dizia nascer com, ofuscava todos nós.

Minha vida, e a de muitos os que viviam dentro do feudo de Henrique, estava de cabeça para baixo. Henrique não dava a seus moradores suas necessidades psicológicas básicas. Em um reino em processo de deterioração, se o necessário era muito cuidado e zelo, o nosso Rei fazia questão, incoscientemente, de fazer exatamente o oposto, deixando todos sem uma direção para seguir. O suporte que Henrique dava, em estimativas, representava 75% do total que todos nós precisávamos, e isso era feito através de discursos não declarados que chegavam aos ouvidos de todos os servos e enganavam todos eles. Mas nós nobres, que víamos de perto o grande buraco que o nosso Rei cavava para enterrar todo o reino, não nos contentávamos com seus discursos. Para nós, os 25% que Henrique deixava de dar representava uma coisa quase que integral. O medo, a dor, a angústia, a falta, o vazio e a instabilidade se faziam presentes em meus dias, cada vez mais fortemente.


Amo o amor que tenho em mãos, e, por isso, ele se faz cada vez maior. Fala-se muito de Deus por aqui, e da vontade que ele tem. Mas quem conhece Deus de verdade se não os que amam? Mais do que um eterno amante, no bom sentido da palavra, eu sou a prova de que o mundo pode ser o que quiser, desde que seja feito de amor. Os erros que se mostram em cada canto da minha existência tornam-se só pequenas barreiras que NÃO me impedirão. O amor, em uma época em que todos os poderes se encontram em crise, é o único meio de salvação de todos nós. Ele se torna uma revolução quando não dá-se ouvidos a estereótipos, e assim, se torna cada vez mais forte. O gesto de amar unido a forças revolucionárias é maior do que qualquer poder institucional fracassado, que a um bom tempo já perdeu o grande domínio que possuía sobre as ordens divinas. E que o amor se faça, daqui pra frente, o meu único e eterno Deus.


E foi naquele ambiente que um dia eu me deparei com Alan,  um menino acanhado e com um brilho estranho nos olhos. Logo que o vi senti um estranho encantamento, como se ele fosse estar eternamente presente em minha vida. Tudo isso era muito novo, e contra os preceitos da Igreja católica. Na última missa eu havia ouvido que um varão não deveria se encantar por um outro varão, isso era um pecado condenável na Igreja, que representava Deus na antiga Inglaterra. Mas como negar o significado de um nome tão perfeito? Gracioso e amável, o tímido Alan fazia jus ao significado atribuído ao seu nome pelos considerados bruxos na Igreja. Alan tinha apenas catorze anos, enquanto eu tinha vinte sete. Mas isso não representava algo ruim, se considerarmos que o Rei havia se casado com uma mulher 21 anos mais nova. A verdade sobre o que nos impedia se baseava primordialmente na igualdade entre nossos objetos sexuais, e na condição social dos dois: Alan era um camponês, e eu, um nobre.

Não sei bem o que me movia naquele momento, poderia ser o desejo de revolução ou o início de uma paixão, mas eu busquei Alan, de maneira implacável. O mandava presentes e cartas, deixando-o cada vez mais confuso sobre suas opções. Eu não sabia, mas ali eu cavava o fim do resto de estabilidade no feudo.

Falo isso porque em 1348, século XIV, tempo em que narro a minha história, a Europa inteira passava por uma crise ainda pior que a da nossa região. A crise tinha base em colapsos múltiplos que a sustentavam: o continente passava por uma estranha epidemia que todos acreditavam vir das florestas que separavam os feudos, a nobreza estava falindo por conta da falta de recursos propiciados por uma instabilidade climática que impossibilitava a cobrança de altos impostos dos servos, e, como se não bastasse, as rebeliões servis por conta do aumento de impostos se tornavam cada vez mais frequentes, fazendo com que houvesse mais guerras, resultando assim em mais mortes.

O feudo de Henrique ainda se mantinha de pé porque a peste negra ainda não havia afetado a região. Até que um dia, ao levar um mimo para o lindo Alan, percebi o primeiro caso da doença no feudo. Alan tinha a peste tão temida... Seu corpo, tão ao meu gosto, possuía saliências, como verrugas, e este tinha uma febre de 41 graus. A mãe de Alan, Shane, passava um pano quente na cabeça do filho... E chorava. A essa altura todos os sintomas da peste estavam divulgados por toda a Europa e todos morriam de medo de possuí-los.

Alan e sua família moravam perto da floresta, e, a partir do momento que comecei a observa-lo, vi que o menino gostava de admirar a beleza desta. Uma noite antes dos sintomas aparecerem, segundo Shane, Alan havia saído de casa e adentrado na floresta para perseguir um esquilo. A temida floresta da morte havia feito sua primeira vítima, de maneira tão inocente. E eu poderia ser a próxima. Mas minha fascinação por Alan era tanta que nada disso me importava.


A criação do amor não é algo que se faça do dia para a noite, ainda mais se feitas por um Deus de mãos manchadas de lama. Os sentimentos, quando impressos nos peitos de quem os sentem, não podem ser robotizados por uma linha torta e turva que se baseia em conceitos questionáveis. Eu vivia naquela sociedade: uma espécie de ditadura religiosa. Era algo invisível aos sentidos carnais, visto que desde nossas primeiras gerações estive submetido a tais práticas. Mas o hábito não fazia com que todos deixassem de sentir. Como em qualquer execução de lavagem cerebral, os maiores riscos de fracasso surgem através de sentimentos transcendentais, que são provenientes inteiramente do verdadeiro Deus. Mas dessa vez me refiro a um Deus livre de qualquer sujeira humana. O Deus que criou o amor existente em mim, e que me toma integralmente. Esse sim é o Deus que deveria sempre tomar posse das pessoas.

Como era estranho tudo o que nós sentíamos! O amor próprio foi só um detalhe que abandonamos sem um pingo de remorso. Haviam coisas tão mais importantes para que lidássemos. Deus haveria de nos recompensar, nos protegendo de qualquer coisa ruim. A morte e as doenças não eram mais temidas. Tudo se fazia claro na minha mente a partir daquele momento. A paixão revolucionária que senti no início foi concretizada em forma de amor, implacavelmente, assim que vi Alan deitado naquela cama. E pude sentir nos olhos dele, também naquele momento, que tudo era recíproco. É difícil descrever em palavras tudo o que eu sentia naquele momento.

Eu pedi licença a Shane para que eu ficasse sozinho com Alan no quarto. Eu precisava dizer a Alan ao menos metade do que ele havia me feito sentir. E isso não podia ser feito em palavras, e sim com gestos.

Deus não é o único objeto transcendental nessa história, pois a partir do momento em que me toquei de verdade, me tornei um objeto tão transcendental quanto ele. Agora, mais do que amor, o que me prende é a entrega. 'Para sempre seremos um só ser'. E esse verso  decassílabo sela como as coisas hão de ser traçadas para mim, finalmente: eternas e verdadeiras; pequenas, mas grandes o suficiente para me preencher; palpáveis, como nada poderia deixar de ser, mas com cuidado, para que eu não faça nada que não possa controlar. E de agora em diante, o amor será o maior foco nessa narrativa.


Os pais de Alan não eram importantes, eu sabia que eles tinham pouco tempo de vida, e eu e Alan também, se não revertêssemos a situação. Mas me sentia na obrigação de fazer daquele pouco tempo os melhores que o menino já havia vivido. Não importava o quanto eu teria que me doar. O mais importante para que tudo ficasse certo era que nós ficássemos juntos para sempre.

Fiquei horas, dias - lamentável que as vírgulas tenham parado por aqui- com Alan dentro do quarto sem sair por um segundo. Depois de um algum tempo nós nos servíamos de nós mesmos, nos fazendo de alimento. Os sintomas da peste, que a partir de 45 horas começaram a se manifestar em mim também, foram um pretexto para que nos aproximássemos. Alan estava cada vez mais fraco, e eu me forçava a estar também.

Naquele longo momento, mais do que nunca, eu fui feliz de verdade. Sentir a respiração de Alan acariciando minha pele era fantástico pois fazia meu amor ser transpirado. Tudo se encaixava perfeitamente, até mesmo nossos sintomas, que se faziam iguais pelo meu esforço de sermos iguais. Se eu morresse ali nos braços de Alan a vida iria ter valido a pena.

Nada precisa de uma conclusão quando os sentimentos são eternos, e nós, o verdadeiro e mascarado sujeito presente nos textos adjuntos, não teremos uma conclusão, assim como a história impregnada propositadamente na situação. Talvez as melhores conclusões sejam as inconclusivas. "Eles foram embora. Olharam pra trás. E vão estar juntos pela manhã". Este sim é um bom final para a história que tem tudo pra ser a melhor de nossas vidas.

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